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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Vil

O que há de difícil a se entender da vileza? Inconstante, destrutiva... é muito fácil julgar quem se entrega, é muito fácil tarjar de demônio, de traidor e então caça-lo, bani-lo, matá-lo. Aos milhares os gananciosos a procuram em busca de ter mais poder, mas os que realmente tem poder não o conquistaram à base da ganância. O que faz um ser escolher um caminho desse? Ser odiado, desprezado... É por puro desejo por mais? Talvez, não conheço as histórias de todos os generais, conheço a minha.

Começa com uma linda história de amor, um demônio amaldiçoado a ter um coração e uma arcanjo que o ridicularizava por isso. Ele teme, o maior marco que tivera foi o sofrimento, porém o coração teimoso sem permissão continua batendo. Em ritmo e harmonia, cativa o anjo que se aproxima, o demônio antes inseguro se rende à sensação, deixando-o bater livremente. Quando de repente ela apunhala o pequeno coração, ele cai para trás aturdido em um mar de dor e terror, se retrai instintivamente em proteção, o anjo toma-lhe uma parte de seu coração ensanguentado e parte para o além.

A dor é agoniante, lhe fora arrancado um pedaço valioso de si mesmo. Poderia apenas se deitar ali e sangrar até morrer mas não pode, por ainda há seu filhote que ainda precisa dele, não é sua hora ainda e pede para os que lhe sobrou "cicatrize pequenino, e rápido..." e atendendo ao senso de responsabilidade o pequeno coração se remenda, rápido demais, ruim demais, uma cicatriz medonha assume o lugar das bordas laceradas, uma cicatriz horrenda e inflexível.

Seu filhote cresce, agora está até em um relacionamento, ele relaxa, seu coração finalmente consegue bater sem a dolorosa inflexibilidade da cicatriz, mas nesse momento de relaxamento uma cisão irrompe entre seu filhote e o outro, o demônio busca pela causa de tal e se enoja de si pela própria omissão. Pior que isso, a criatura que antes amorosa e dedicada se afogava em ódio, ele luta contra uma tempestade para puxar o ser para um recife. Exausto, deita-se sobre a rocha e vê seu filhote com suas lindas asas de veludo, em um golpe, apunhala seu coração recém libertado novamente abrindo-lhe um talho e tirando-lhe um pedaço. Por um momento vê a arcanjo mas seguindo as asas emplumadas percebe que olha seu filhote. Se engasga com uma golfada surda do próprio sangue na garganta, duplamente horrorizado, a dor mais intensa do que a primeira vez, se encolhe sobre a rocha e chora.

À sua frente o semblante da outra criatura, seu pelo azul escuro com uma discreta faixa laranja percorrendo a extensão de seu focinho. Junto à dor a culpa se acumula, não, não provocou o sofrimento daquele ser, mas tão pouco tentou evitá-lo e por não tê-lo feito é  parcialmente responsável. Novamente implora "não posso deixá-lo" e o pequeno coração agora tem duas cicatrizes horrendas e inflexíveis... Ele teme e o protege desesperadamente enquanto tenta cuidar de não deixar o ser de pelagem azul escorregar para a própria morte.

O tempo passa, as sequelas não. Tenta estar presente o máximo possível e acompanhar o ser de pelagem azul principalmente em seus momentos sombrios, não era melhor que ele, também estava alquebrado, mas tira forças do além para tentar ajudá-lo, é sua responsabilidade, fizera esta escolha. No meio da noite escura um cometa envolto em fogo pousa perto deles, as labaredas dançam do solo em uma beleza selvagem, de dentro um outro ser recoberto de escamas rubras e negras surge.

Seus instintos gritam em advertência ao provável perigo, entretanto o ser se aproxima irradiando calor que conforta sua alma deformada e silencia seus medos. Carinhoso e fofo, impossível de manter garras em riste. O ser de escamas se aproxima, Ele baixa a guarda, deixando-se levar pela carícia que a muito não sabia mais o que significava. O tempo se passa e pelo calor daquele pequeno ser de escama o coração do demônio volta  a conseguir bater indolor, então outra punhalada lhe trespassa e ele cai com um ganido mudo. Outro pedaço, a dor latente e o sangue escorrendo, com uma vontade titânica, vira a cabeça. Por um segundo pensou ter visto o preto e vermelho de seu filhote, a visão turva se ajusta e distingue-se o ser de escamas. A lua se estende prateada no céu noturno, em seu alvo brilho distingue-se o semblante da arcanjo "Tauriel! Porque me persegue? Por que me odeia? Qual foi o tamanho mal que lhe causei?"

A centenas de metros vê o ser de pelagem azul descansando. Com um grunhido rosnado força a si mesmo a se mover, novamente, é necessário. Outra cicatriz horrível se instala, ele olha o ser de pelagem azul e sorri melancolicamente "seu pedaço está guardado para quando for sua vez de usar a lâmina", fraqueja e cai "Levanta!" rosna para si mesmo e então nota outro de escamas negras só que com contraste em verde esmeralda, indaga com uma curiosidade e humor sombrios "será que finalmente chegou aquele que vai dar o golpe de misericórdia?".


FIM...?



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